quinta-feira, 2 de abril de 2009

O cachecol de Odila



Um dia nunca é como o outro, com toda certeza. Apesar da rotina do dia – a dia, ainda cada raio de Sol ou mesmo um dia chuvoso, nos trazem inspirações, novas emoções, sensações, desejos.
Silvestre atravessou o enorme saguão da movimentada estação de metrô rumo a plataforma de embarque. Apesar de saber que não demoraria mais que quatro minutos até a chegada do próximo trem, apressou-se a pegar o que estava parado e quase de partida na plataforma. O alarme de aviso havia sido acionado e provavelmente ficaria preso entre as portas atrasando o trem.
Sem problemas, pensou. Então, puxou ar nos pulmões e correu, esbarrou num, tropeçou noutro, foi cercado por uma menininha de tranças e sorvete, e apesar de seu esforço, perdeu o trem.
Ficou estancado, rente a porta, alem da faixa amarela, vendo as janelas correrem salpicadas de cores e formas disformes.
Droga! Praguejou.
Ficou corado, a face pegando fogo, os olhos lacrimejando de nervoso. Perder o trem não era nada, mas ter feito tanto esforço em vão, ó sim, isso sim era humilhante.
Afastou-se. Se pôs timidamente atras da faixa de perigo e esperou o tempo passar. Mais quatro minutos, tempo suficiente para ler todos os painéis de anúncios, notar a elegância de finos cavalheiros e o desleixo propositados dos muitos adolescentes ali.
Então, sentiu o golpe de ar e o tilintar dos trilhos, viu quando a multidão deu um passo a frente numa coreografia ensaiada, pronta para embarcar antes mesmo do trem encostar a plataforma.
Instintivamente fez o mesmo, agora não havia pressa.
Foi então que ele a viu. Linda, exuberante, parecendo flutuar em pleno ar. E tudo ficou em preto e branco. Somente ela deslizava colorida, radiante.
Ela, uma mulher magnífica, quase cristalina, cabelos negros e olhar profundamente sensual, no pescoço longo, convidativo, um exótico e chamativo cachecol vinho o envolvia, vinho como o batom que cobria seus lábios finos e deliciosamente delicados.
O cachecol, uma peça marcante e ao mesmo tempo insignificante, contrastava com a moldura curvilínea de seu belo corpo, este com toda certeza esculpido pelos deuses do amor.
Silvestre, mais uma vez estancou e voltou a corar.
E os sentimentos que lhe envolveram, ele mesmo não podia explicar. Primeiro seu coração parou abruptamente, depois voltou a bater lento e descadenciado. Então veio um frio que pareceu incomodar, mas depois um calor sufocante que fez sua cabeça girar, embriagar-se, suas pernas amolecerem, derreter-se nas bases.
O trem, rústico e barulhento parou sem poesia, mas a musa estonteante embarcou silenciosamente sem hesitar, cravando sua silhueta perfeita nas pupilas petrificadas de Silvestre.
Silvestre mais uma vez perdeu o trem, não podia se mover, era incapaz de dar um passo sequer. Então como se estivesse num transe profundo, viu novamente ela sumir em cores, em meio a formas disformes e incoercíveis, um borrão alucinógeno devido o movimento rápido e cadenciado do trem. E da mesma forma magica que ela apareceu, também desapareceu.
Silvestre ficou ali parado, perdendo um trem após outro, mas nada mais importava. Nas mãos, inexplicavelmente, o cachecol vinho se encontrava, em seu corpo tremulo, o perfume dela se fixara, e na sua boca, o gosto do batom lhe excitava. Em suas lembranças, um nome lhe impulsionava a vida, Odila.
Um dia nunca é como o outro, com toda certeza. Apesar da rotina do dia – a dia, ainda cada raio de Sol ou mesmo um dia chuvoso, nos trazem inspirações, novas emoções, sensações, desejos.

FIM
Alexandre Oliveira.

3 comentários:

  1. Fantástico. Visceral. Não conhecia a versão original. Parabéns meu velho. Me faltou o ar.

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  2. Cadê a versão em quadrinhos, posta ela aí.

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  3. Amei!!! Fiquei apaixonada!!!As palavras desenham e pintam a história bem diante de nossos olhos!
    Parabéns!

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